SulBahiaNews faz entrevista exclusiva com André Castro, diretor do curta Só o Brega Salva

O SulBahiaNews realizou uma entrevista com o cineasta André Castro, diretor do curta-metragem Só o Brega Salva, que será exibido neste sábado (20) no Cine Teixeira. A produção será apresentada ao público em três sessões gratuitas, às 16h30, 17h e 17h30, marcando um momento histórico para o cinema teixeirense.
Na conversa, André Castro fala sobre o surgimento do filme, o processo criativo, a valorização da cultura brega. A seguir, você confere a entrevista completa com o diretor:

1) Só o Brega Salva nasce de um sentimento muito forte de pertencimento. Em que momento você percebeu que essa história precisava virar filme?
Tenho uma memória de infância, da primeira vez que vi um show acontecendo em cima de uma carroceria de caminhão. Esta imagem carrega um simbolismo enorme, me remete à mensagem de que pra ser artista nos interiores do Brasil você precisa improvisar e inventar um jeito para a coisa acontecer.

2) O brega aparece no curta não apenas como trilha sonora, mas como identidade cultural. O que essa música representa para você quanto artista e para o Extremo Sul da Bahia?
Na minha família contam uma história de que minha mãe já foi dançarina do cantor Robério e Seus Teclados. Além disso, cresci assistindo os DVDs do Calcinha Preta e ouvindo Latitude 10 na rádio.
Percebo que o brega compõe uma estética muito nossa no interior da Bahia. É a partir da cultura popular que as pessoas se conectam e o tal pertencimento se codifica. Atire a primeira pedra quem é daqui e não saiba cantar junto um refrão de Pablo do Arrocha.

3) Você afirma que o brega produzido aqui é diferente do que se faz em outras regiões do país. Que características tornam essa sonoridade tão única?
A música brega, embora não tenha sua origem exata na região, ganha uma roupagem romântica e dançante ao se relacionar com as serestas e botecos. Aqui o Brega é apropriado e ressignificado a partir de grupos e solistas como Banda Tarraxinha, Love Beat e Robério e Seus Teclados.
Essa reinvenção se manifesta em estilo de sofrência, muitas vezes em versões brasileiras de sucessos internacionais, que são absorvidas e levadas ao gosto popular, tocando em todos os cantos, contagiando das periferias ao centro.
4) A personagem Shirley carrega dores, sonhos e enfrentamentos muito reais. O quanto da realidade de Teixeira de Freitas e da região está refletido na trajetória dela?
A construção da personagem Shirley foi acontecendo de uma maneira singela e afetiva, visando alcançar uma personagem que pudesse representar uma visão geral sobre os artistas da região. Nossos artistas são, em sua maioria, pessoas dissidentes.
Com isso, refiro-me àqueles corpos e identidades que rompem com a norma padrão imposta pela sociedade. Estamos falando de pessoas LGBTQ+, da população negra e dos povos indígenas que, historicamente, precisam resistir para existir. A Shirley carrega essa essência de quem precisa criar suas próprias narrativas porque o modelo tradicional não a contempla.
5) Colocar uma protagonista trans e indígena no centro da narrativa foi uma decisão poderosa diante dos inúmeros casos de transfobia e preconceito em nosso País. Quais silêncios você quis romper com essa escolha?
A escolha do protagonismo de uma mulher trans afro-indígena é um posicionamento político consciente. Afinal, essa decisão se insere em um contexto local e temporal específico.
A ideia se deu quando acompanhei o anúncio de Bartira Costa como candidata ao concurso Miss Universo Teixeira de Freitas em 2023. Testemunhei a enxurrada de transfobia que invadiu os portais e as redes sociais contra à inscrição de Bartira, disso compreendi a necessidade de uma resposta afiada e artística.

A narrativa, portanto, busca romper com o estereótipo que historicamente associa a mulher trans à tragédia. O filme propõe uma construção a partir de possibilidades, sem reduzir exclusivamente ao teor denunciativo. A ficção aqui cumpre o papel de criar novos imaginários, nos quais uma transsexual pode ser tudo, inclusive uma cantora brega de sucesso.
6) A BR-101 surge quase como um símbolo dentro do filme. O que essa travessia representa na jornada da personagem e na vivência de quem é do interior?
Olhar para a BR-101 é olhar para o nosso próprio espelho. Nossa identidade foi construída na beira dessa estrada, com gente chegando e saindo o tempo todo. Somos um território em trânsito.
Para a personagem, a estrada representa essa tensão. É o lugar onde o desejo de ir embora para ‘ser alguém’ conflita com a vontade de ficar por amor. A Shirley, assim como nós, tenta transformar essa falta de lugar fixo em arte.
7) Quais são as suas maiores influências como cineasta? Quais diretores tiveram um papel decisivo e porquê?
Gosto muito da linguagem dos videoclipes, isso aparece um pouco no filme. Quando era criança minha brincadeira favorita era fazer clipes editados no Movie Maker com minha irmã e primos.
Só fui me apaixonar por cinema depois. Quando encontro os filmes do cearense Karim Aïnouz e a cinematografia da Rosza Filmes no Recôncavo da Bahia, um universo se abre pra mim. Eles traduzem o território de um jeito que me toca.
8) Aylla Ferraz entrega uma atuação muito intensa como Shirley. Como foi o processo de escolha da atriz e a construção conjunta da personagem?
Abrimos uma chamada pública para selecionar elenco e Aylla foi a primeira a se inscrever. Já a conhecia como dançarina, pelo videoclipe da música ‘Baiana’ que dirigi para Katha Maathai. Ela é semente da Aldeia Indígena Pataxó Juerana, em Porto Seguro. Ela nunca havia atuado profissionalmente e para o teste, fiz questão de ir até Trancoso, onde ela trabalha, com a equipe para encontrá-la. Foi um momento especial, pudemos nos conectar entre a realidade e ficção através das intenções do filme. Foi surpreendente encontrar tantas semelhanças da personagem com a história de vida dela.
9) O filme foi viabilizado pela Lei Paulo Gustavo e pela PNAB. Qual a importância dessas políticas públicas para que o cinema do interior continue existindo?
O cinema depende do bom funcionamento das políticas públicas de fomento à cultura. É assim em qualquer canto do mundo. A capilaridade na distribuição dos recursos aos municípios via Lei Paulo Gustavo e PNAB inaugura um novo tempo para o fomento cultural. Reflete o Brasil profundo gerando impacto real. Não à toa, este filme mobilizou em média 76 pessoas em seu processo de produção.
10) Só o Brega Salva estreia em casa, há previsão da obra ser exibida em festivais? E o que você espera que o público de fora compreenda sobre Teixeira de Freitas ao assistir ao filme?
Esta não é uma estreia oficial, estamos chamando de Exibição Especial justamente por ser uma devolutiva à comunidade local. Para o lançamento estamos em diálogo com empresas distribuidoras para encontrar as melhores oportunidades para uma estreia nacional e mundial. Espero que quem assista possa reconhecer o potencial criativo e cultural que temos por aqui.
11) Depois desse curta, que caminhos você imagina para o seu cinema e para o audiovisual produzido no Extremo Sul da Bahia?
Tenho um projeto maior que se chama ‘Caubói Misterioso’, trabalho nele desde 2020. Sim… Já são 5 anos… O tempo do cinema é diferente. Espero que ‘Só o Brega Salva’ me abra caminhos para esta realização.
