40
anos
Mata Traiçoeira: o perigo e a beleza selvagem nos caminhos antigos de Teixeira de Freitas

No terceiro episódio da série especial “Ateliê Memória – De volta à história de Teixeira de Freitas”, o Sulbahianews convida os leitores a uma imersão na natureza exuberante — e traiçoeira — que marcou as trilhas do antigo povoado. Neste capítulo, quem guia a narrativa é Domingos Cajueiro Correia, primeiro policial rodoviário federal da cidade e filho de Isael de Freitas Correia, um dos pioneiros da região, que faleceu aos 95 anos deixando um legado de memórias históricas.
Domingos relembra uma das experiências mais marcantes da infância: quando se perdeu com a família em meio à densa mata, ao viajar a cavalo entre Teixeira de Freitas e o povoado de Juerana.
Um deslumbramento seguido pelo medo

Era uma longa jornada feita no lombo de um animal cavalar. Domingos descreve, com riqueza de detalhes, os cenários que encontrava no caminho: a mata fechada, os animais silvestres cruzando as trilhas, os córregos de águas cristalinas e o verde vibrante que parecia não ter fim.
“Fiquei realmente deslumbrado”, lembra.
Mas o encantamento logo deu lugar ao medo. À medida que a noite se aproximava, a família percebeu que estava perdida na vastidão da floresta. Ao tentarem atravessar uma lagoa de águas escuras e profundas, o animal de carga em que viajavam — chamado Rucinho — atolou. Domingos, sua mãe e dois irmãos estavam acomodados em uma cesta de cipó. O desespero tomou conta.
Foi nesse momento de aflição que avistaram uma fraca luz de lamparina do outro lado da lagoa. Era Fernando Cirico, um morador da região, que os socorreu. “Se não fosse esse anjo da guarda, não sei o que seria de nossas vidas, pois existiam animais ferozes na estrada”, conta Domingos.
A família foi acolhida em uma casa de taipa e taubinha. No dia seguinte, com as orientações do anfitrião, seguiram pelos campos do Mato Verde até o sítio dos avós, a cerca de duas léguas de Juerana.
O encantamento do Mato Verde

O trajeto seguinte revelou ainda mais da beleza natural da região. Campos cobertos de lírios com tons amarelo-ouro e laranja, vegetações encantadoras como a marcela — usada para encher travesseiros —, flores beges conhecidas como alfinetes, e espécies como Coco de Sandó e a afiada Tiririca.
“Os córregos eram de águas cristalinas e abundantes, difíceis de atravessar quando cheios. As lagoas eram muitas, e a viagem durava o dia inteiro”, relata.
Essa memória viva, compartilhada por Domingos Cajueiro, é um registro precioso das raízes de Teixeira de Freitas — e do quanto a relação entre homem e natureza marcou o início da ocupação da região.
A série Ateliê Memória continua resgatando esses relatos para preservar a história da cidade através de seus próprios habitantes.